Por que escrever? Uma discussão sobre o ensino da produção textual
Por Marcelo Macedo Corrêa e Castro
Professor Titular da Faculdade de Educação da UFRJ, doutorado em Educação (UFRJ, 2002) e pós-doutorado em Educação (Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, 2015).
Na vida real, fora das instituições de ensino, é pouco provável que alguém o gaste o seu melhor para escrever sobre algo que não lhe interessa e para alguém que não quer saber o que o autor pensa ou sente. Se quisermos combater este processo de apagamento da atividade discursiva a que a produção textual vem sendo historicamente submetida em nossa sociedade, em especial em nossas escolas, é preciso que textos partam de sujeitos e a sujeitos cheguem para que, em meio a tantos sentidos que este percurso produz, cumpra-se a destinação maior da linguagem: significar a vida.
A escrita pode e deve ser um canal, um veículo, um instrumento poderoso, mesmo decisivo, nesta busca de uma escola e de uma educação que preparem os sujeitos para a vida sem pedir-lhes que parem de viver enquanto isto. Uma escola em que seja legítimo escrever-se.
Minha pretensão, desde o ingresso na vida de professor, tem sido a de conseguir realizar uma prática pedagógica orientada para a construção de sentidos e que não esconda a vida atrás de uma ordem imposta ou de uma razão intocável e artificial. Para isto tenho trabalhado, ao longo dos últimos 44 anos, como professor de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Redação, no ensino médio, dezessete deles em escolas públicas noturnas do Estado do Rio de Janeiro; e como professor de Didática Especial e Prática de Ensino de Língua Portuguesa, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, ajudando a formar cerca de trinta novos professores de ensino médio por ano. Também a isto tenho dedicado minhas ações de pesquisa e minhas publicações.
Para ler este trabalho, interessa ainda informar que tenho atuado, desde 1981, em exames vestibulares e semelhantes (CESGRANRIO, ENEM e UFRJ), nas funções de avaliador, membro de banca de elaboração de prova, supervisor de grupos e supervisor geral, o que me proporcionou, de 1997 a 2005, o exame anual de cerca de mil e quinhentas redações de concluintes do ensino médio, selecionadas aleatoriamente.
Em todos estes anos de experiência, minhas reflexões e ações têm se dirigido para a tentativa de constituir para o ensino de Língua Portuguesa uma prática que supere as limitações da tradição gramaticalista e da reprodução de modelos. E isto tenho feito no esforço para a formação de professores para esta prática, dentro dos contextos de escolas públicas do Rio de Janeiro. Este é o lugar de onde falo. Um professor que forma professores dentro da educação pública. Um pesquisador que atua na construção da prática e da teoria como articulações possíveis do conhecimento.
Escrever este trabalho a partir de outro lugar que não fosse o de sujeito, autor de suas próprias articulações com outros textos, seria ceder à sedução do discurso sobre; cair na armadilha de propor teses para uma prática ideal, ainda que impossível de ser vivida. Seria negar a tese pelo discurso que tenta afirmá-la. Uma escrita autofágica.
Procurei não desconsiderar as interlocuções e as concessões necessárias e produtivas, mas sem esconder-me atrás de uma assepsia impessoal que, sob o pretexto da modéstia e/ou da objetividade, desloca para o plural e a indeterminação o olhar do sujeito, para criar a ilusão de um ponto de vista coletivo. Negociar as escolhas nada tem a ver com apagá-las, assim como reconhecer a relatividade do conhecimento não significa fugir das escolhas práticas.
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