Descrição
Por treze anos consecutivos, temos publicado a série anual Feminismos, identidades, comparativismos, produto das pesquisas das professoras do Mestrado em Literaturas de Língua Inglesa da UERJ, que abriga duas linhas: A voz e o olhar do Outro: questões de gênero e/ou etnia nas literaturas de língua inglesa e Literatura e comparativismo.
Neste ano, em especial, trazemos uma novidade – a colaboração de Davi Pinho e Vanessa Cianconi, que entraram para o quadro de professores do Instituto de Letras neste ano. Uma das formas de recepcioná-los residiu no convite para participarem deste volume. Esperamos que, em breve, façam parte do Programa de Pós-Graduação em Letras de nossa instituição.
O ensaio “Virginia Woolf: do suicídio feminino em Julia Kristeva à androginia” parte da discussão de Julia Kristeva sobre o suicídio feminino em Des Chinoises (1974) para confrontar o uso que ela faz do suicídio de Virginia Woolf, como resultado da impossibilidade de um sujeito feminino na linguagem. Em um diálogo com o movimento conhecido como écriture féminine, Davi Pinho percorre a obra de Virginia Woolf para identificar os momentos de vida que afirmam a experiência feminina na linguagem, o que dará acesso ao que ela chama de androginia. Virginia Woolf não quer não ser, como formula Kristeva. Ela quer ser muitos, todos; ela quer ser.
Eliane Berutti traz à discussão uma questão contemporânea no segmento LGBT nos Estados Unidos, ao contemplar a interseção entre transmasculinidade e gravidez. Tomando por base questionamentos sobre o sistema binário de sexo e de gênero elaborados pela teoria queer, a pesquisadora sublinha determinadas categorias teóricas com o objetivo de problematizar os casos de Thomas Beatie, considerado o primeiro homem grávido, e o de Nick Bowser, ambos homens transnorte-americanos. “Transmasculinidades, normalidade e gravidez” ainda trata do questionamento do conceito de normalidade ao fazer uso da provocação de Beatie a respeito da definição deste conceito. Algumas ideias contidas na obra Os anormais, de Michel Foucault, complementam esse ensaio.
Em “Shakespeare, cultura retórica e modernidade: um comentário sobre Coriolano (1608)”, Fernanda Medeiros dialoga com
textos de Peter G. Platt e Russ McDonald, a fim de ressaltar a importância e a produtividade analítica de se entender o contexto elisabetano-jaimesco como profundamente marcado por vários aspectos da retórica. Os críticos propõem que a retórica também seja compreendida como um suporte de processos de subjetivação e conhecimento do mundo. A linguagem, mais do que representar, cria sujeitos e realidades. Caio Marcio Coriolano, protagonista da última tragédia escrita por Shakespeare, é provavelmente o personagem que melhor encarna uma desconfiança em relação à retórica, fazendo da sua
recusa à linguagem, sua tragédia.
No ensaio “Narrativas autobio/gráficas em literaturas de expressão inglesa: quadrinhos para adultos”, Leila Harris explora seu interesse em práticas autobiográficas na literatura migrante de autoria feminina através de uma autografia. Em Persepolis (2003), Marjane Satrapi oferece seu testemunho pessoal e político conforme visualiza e verbaliza suas memórias durante a infância e adolescência assim como a luta de sua família e do povo iraniano antes e durante a revolução islâmica, a guerra contra o Iraque e os anos que se seguiram.
Criticando tanto o imperialismo britânico e estadunidense quanto a revolução iraniana e o fundamentalismo islâmico, Satrapi faz uso dos quadrinhos para abordar questões políticas e sociais.
“A subalternidade científica surfa nas ondas do Feminismo”, de Lucia de La Rocque, tem como foco de discussão, tanto entender os mecanismos que relegaram a mulher ao segundo plano do fazer ciência, quanto se voltar para essa representação em três filmes de comédias Hollywoodianas: O inventor da mocidade (1952), O professor aloprado (1963) e Júnior (1994), que foram utilizados como subsídios para a construção de um estudo de caso aplicado ao ensino de Deontologia e Ética Farmacêutica. Ficou evidente, no momento de pré-seleção dos filmes, que nos enredos as mulheres se encontravam em posição subalterna em relação aos homens, principalmente no ato do fazer ciência. Essa circunstância motivou a presente reflexão, que não deve ser desvinculada das discussões sobre a conduta ética do profissional farmacêutico.
Pergunta constante nas salas de aula de Literatura e Cultura Estadunidenses diz respeito às relações raciais nos Estados Unidos nos dias de hoje. Como, perguntam-nos, parece que tudo, ao invés de avançar, com a eleição de um Presidente inteligente, culto, hábil na política – e negro – caminhou para, ao contrário, a saber, relações cada vez mais tensas, pesadas, de confronto e enfrentamento ostensivos? A resposta, como bem sabem os estudiosos das relações interdisciplinares não é nada simples. Passa por caminhos tortuosos das relações de poder, desaguando em uma das manifestações mais trágicas e lamentáveis do ser humano: o racismo. Em “Relações raciais nos Estados Unidos hoje”, Maria Aparecida Salgueiro procura
mostrar como Autoras Afro-americanas já haviam manifestado com clareza sua percepção das relações raciais nos Estados Unidos em suas obras e como vêm se posicionando nos dias de hoje.
O foco principal do ensaio “Um corpo de boneca: miradas desejantes” é o conto de Felisberto Hernández (1902-1964), “Las
Hortensias”, em que o corpo mecânico, figurado na boneca, ainda que uma forma fixa, não se prende a um centro, transformando-se em figura centrífuga. Por ser receptáculo de fantasias, o corpo mecânico está sempre aberto a novas inscrições. Interessa a Maria Conceição Monteiro a maneira como essa figura desencadeia no seu criador um processo inesperado e incontrolável de desejos obscuros e forças ocultas e perversas, concretizado na relação dele com si próprio e com o mundo, ao mesmo tempo que as projeta e transfere para o corpo criado. Como em um palco, através do uso de máscaras, encena-se toda uma vida por meio da casa escura, do barulho das máquinas, do espelho, da alma, do mistério, da ambiguidade, do delírio.
Dan Vogel divide o teatro estadunidense em três máscaras distintas: a do diabo, a de Édipo e a de cristo. Angels in America,
peça de 1985, de Tony Kushner, claramente não nega essa origem e coloca no palco todas elas. O fantasma da mulher louca e sofredora é literalmente encarnado em Harper, uma viciada em valium. Aqui, a louca de Kushner é o cristo de Vogel. De fato, Harper percorre o caminho contrário do de Lady Macbeth, personagem de Macbeth, de William Shakespeare – a primeira vai da escuridão à luz, enquanto que a última, da luz à escuridão. “Angels in America e a loucura feminina”, assinado por Vanessa Cianconi, tenta elucidar as duas personagens enquanto figuras femininas ao mesmo tempo em que delineia seus caminhos opostos no mundo em que vivem.
Ao finalizar esta apresentação, agradecemos ao apoio dado pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ ao longo
desses treze anos e esperamos que outros volumes desta série sejam produzidos.
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