A Galinha Garnisé e outros Eusébios de Queirós
“Se eu deixar alguma das minhas utopias para trás, não chegarei a lugar nenhum.”
É exatamente por não abandonar suas utopias que o poeta, escritor, contista e historiador Éle Semog – no limiar das pressões e retrocessos políticos dos últimos tempos – canalizou as angústias de quem vê e sente tudo de dentro, nesta coletânea das palestras proferidas em suas andanças por este país afora, ministradas na maioria das vezes em ações do movimento negro e na academia, num caminhar sempre em conexão com as lutas de seu povo negro, como ele costuma dizer: “Meu projeto de vida é e sempre foi coletivo”.
Talvez também por isso o escritor Éle Semog seja recebido aonde quer que vá com tanto carinho e reconhecimento por seus pares, aqueles com quem ele esteve junto na construção do movimento negro contemporâneo e também pelos mais jovens que vêm se formando e informando com sua escrita poética, regada de um humor ácido e de franqueza direta.
O livro A Galinha Garnisé e outros Eusébios de Queirós, como o próprio título nos inquieta, nos chama para a luta, assim como as poesias e contos do autor. Nesta coletânea, a cada artigo, dos mais antigos aos mais recentes, se percebe a “atualidade” dos fatos, a ponto de possibilitar ao leitor muitas reflexões, envolvendo-o de tal forma na leitura que ele vai pensar que os artigos foram escritos hoje. Não que Éle Semog seja um visionário, mas porque o racismo no Brasil se veste e reveste, toma novas formas, muda a roupagem, mas não muda sua essência.
Cada artigo deste livro é um chamado de Éle Semog para fazermos barulho como a galinha garnisé, de forma que sejamos ouvidos, respeitados em nossos direitos, para que nossas conquistas se tornem de fato atos e atitudes públicas em benefício de nosso povo. É certo que este é o objetivo deste livro: chamar na “chincha”, como diz o autor – as professoras e os professores, as/os universitárias/os, poetas, mulheres, homens, jovens, a militância em geral, todo o povo, para que juntos possamos fazer valer nossos direitos de cidadãos nesta sociedade racista, machista, homofóbica, e, quem sabe, mais que pela força da lei – pela assertiva de nossas ações, possamos juntos mudar a sociedade brasileira de forma que ela venha a se tornar um lugar melhor para se viver.
A Galinha Garnisé e outros Eusébios de Queirós traz artigos com importante dimensão histórica, política e educacional e foram escritos e guardados feito o ovo da avestruz. Agora, compilados neste livro, se propõem, feito a galinha garnisé, fazer um estardalhaço se colocando como subsídio para a discussão e reflexão sobre o racismo e as relações raciais no Brasil. Quem sabe seja essa uma das utopias do poeta e escritor Éle Semog. De certo, essa é também a nossa utopia.
Marize Conceição
Professora de História da rede pública do Estado do Rio de Janeiro e Nova Iguaçu, mestre em Educação pelo PPgeduc-UFRRJ, doutoranda em História Social pelo PPGHS-FFP/UERJ.
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